INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 11 de março de 2024

ENTRE ASPAS: "Da Ribeira das Sete Fontes ao Rio Este"


É IMPORTANTE EXTRAIR ENSINAMENTOS DOS ERROS QUE FORAM E ESTÃO A SER COMETIDOS

O Minho, devido à sua geomorfologia, possui uma rede hidrográfica peculiar. Uma sequência de relevos, dispostos no sentido leste/oeste, determinou a formação de cursos de água não hierarquizados, diferentemente das bacias do Douro, do Tejo, ou do Guadiana. Esses relevos prolongam, em menor altitude, as serras da Peneda/Soajo, Amarela e Gerês, estas dispostas de Noroeste para Sudeste formando um anfiteatro.

Em Trás-os-Montes, todos os rios confluem para o Douro, de Norte para Sul. Sabor, Tua e Tâmega, são os principais eixos de uma intricada rede de drenagem hierarquizada, que abrange um vasto território.

Pelo contrário, no Minho regista-se uma sequência de rios, paralelos, que mesmo sem grande percurso, seguem directamente para o Oceano Atlântico. De norte para sul: Âncora; Neiva; Lima; Cávado, Este e Ave. O Cávado e o Ave drenam bacias de maior amplitude, mas sem qualquer comparação com a do Douro, ou mesmo com a do Minho. Cada um desses cursos de água possui características próprias e traçados individualizados. Porém são todos caudalosos, mesmo os com menor extensão.

 

Na verdade, o Minho é uma das regiões da Península Ibérica com maior pluviosidade, a par da Galiza, das Astúrias, da Cantábria e do País Basco, como sublinha Denise Brum Ferreira, no capítulo dedicado a “Ambiente Climático” da excelente obra “Geografia de Portugal”. O Minho tem uma pluviosidade média anual entre 1 600 mm e 2 500 mm (no arco montanhoso referido). Susanne Daveau estima que nas serras do Minho o valor possa ultrapassar 3 500 mm nos cumes oeste da Serra do Gerês (o local mais chuvoso da Escócia atinge 3 300 mm/ano). Assim, para aquela notável geógrafa, as serras do Minho, em particular a do Gerês, contam-se entre as mais pluviosas da Europa Ocidental. Talvez devido à sua proximidade do Oceano Atlântico e altitude.

 

Acima referimos o rio Este, habitualmente considerado tributário do Ave. Porém será mais certo afirmar que os dois rios se juntam, formando um único, até ao Oceano. De facto, ao contrário do Vizela, a confluência do Este e do Ave ocorre a escassos 6 Km do Oceano, pelo que é legítimo individualizá-lo. Deve sublinhar-se que o rio Este recolhe água de uma sequência de amplas bacias de recepção, ao longo do seu trajecto. Todas com volumes hidrográficos significativos. A primeira das quais é a zona das Sete Fontes.

Entre a nascente (nos contrafortes ocidentais da Serra do Carvalho) e S. Pedro de Este, o vale é relativamente encaixado, embora já com algumas linhas de água, embora sem relevância.

O primeiro grande afluente é a Ribeira das Sete Fontes, cujo nome primitivo seria de Passos, e que drena uma ampla área. Também é referida como Ribeira de São Vítor, devido à circunstância de passar junto à Capela de São Vítor-O- Velho.

A jusante, registam-se outros afluentes significativos como os da zona de Lamaçães, infelizmente totalmente urbanizada, sendo assaz difícil de analisar, supomos, o estado actual da drenagem das águas desta segunda bacia de recepção.

Na cartografia militar, a Ribeira das Sete Fontes está perfeitamente identificada. Distinguem-se perfeitamente os limites da bacia da recepção e o modo como se juntam as várias linhas de águas de maior importância. Com origem na vertente sudeste de Montariol e no Monte Pedroso, e ainda outra que sai da zona do Areal de Baixo.

A partir da zona da Quinta da Armada a ribeira segue a direito, ao longo da circular que serve o BragaParque, inflectindo depois para sudeste, para a Capela da São Vítor-O-Velho.

Neste local, a meio da Rua homónima, há um pontão formado por lajes que permitia cruzar a ribeira, o que leva a deduzir um caudal permanente. Recordamos que por aqui passava a Via romana que se dirigia de Bracara Augusta para Asturica Augusta. Quando se realizaram os estudos para cartografar a referida via romana (salvo erro em 2002) ainda se ouvia o ruído da água a correr sob o lajedo. Segundo observação da ASPA, ainda recentemente era possível escutar o ruído da corrente, o que já não acontece.

De São Vítor-O-Velho a ribeira seguia ao longo da Quinta dos Congregados, passando a oeste de um campo de futebol. Finalmente confluía no Este a montante de uma ponte

 

Hoje o traçado da Ribeira das Sete Fontes mal se distingue no Google Earth, engolido e alterado pela expansão da cidade. Felizmente foi possível salvar o vale das Sete Fontes, mesmo que já afectado por diversas construções que nunca deveriam ter sido autorizadas.

Apesar do concurso de sucessivas amplas bacias de recepção o rio Este, no concelho de Braga, tem um regime torrencial. Ou seja, o caudal depende da precipitação, seja no Outono, Inverno ou Primavera. Em momentos de chuva intensa é um curso de água quase feroz. Talvez por isso, no Mapa de Braunio, de 1594, observam-se pelo menos três pontes sobre o rio, o que era ditado precisamente por esse regime torrencial que não permitia a travessia a vau de pessoas, animais de carga e carros de tracção animal, sempre que a chuva era intensa e o caudal aumentava.

 

Será possível recuperar a Ribeira das Sete Fontes? É pouco provável.



Para um último local verde e livre, onde tal seria viável (um terreno situado a nordeste dos prédios da Quinta da Armada), foi autorizada recentemente mais uma construção: um ginásio.



É importante extrair ensinamentos dos erros que foram e estão a ser cometidos.


Outra vasta bacia de recepção do rio Este é a extensa Veiga de Lomar, a que será dedicado um próximo “Entre Aspas”.

                                                                                Francisco Sande Lemos

                                                                                        (Arqueólogo)


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

SUPLEMENTO CULTURA: "ENTRE ASPAS" 40 anos. Relembrar o passado para continuar o futuro.

O Suplemento Cultura, do Diário do Minho de hoje, é sobre os 40 ANOS DE "ENTRE ASPAS". A versão on-line será partilhada amanhã.

As efemérides ou celebração de aniversário são, entre outras razões, um momento de regozijo por ter-se vencido a barreira implacável do tempo e conseguido, com isso, a durabilidade que representa, por si só, uma vitória apreciada. Este suplemento que a Direção do Diário do Minho teve a generosidade e a cumplicidade de proporcionar, a somar-se a tantas outras manifestações de apreço com que nos tem brindado, traduz esse regozijo de celebração dos 40 anos de existência da coluna “Entre Aspas”, nas páginas desse prestigiado e veterano periódico bracarense. Uma celebração que deu pretexto a que solicitássemos a personalidades várias, com percursos e posturas próprias, convergindo, porém, todas no facto de lidarem de perto, em vários momentos ou durante todo este tempo de vida associativa com a ASPA, trazerem para aqui, de forma simples e sincera, o que lhes oferece dizer a respeito da luta pela salvaguarda e pela defesa sem quartel que a ASPA, desde a primeira hora, leva a cabo em prol do património construído e natural de Braga (cidade, concelho e região).

A todos os que se associaram a esta iniciativa, o nosso grato OBRIGADO.

Para este Suplemento Cultura contamos com testemunhos de várias pessoas: Diretor do Diário do Minho de há 40 anos e Diretor atual; Vice-presidente do Património Cultural, I.P. e Presidente da Câmara Municipal de Braga, antigos Presidentes da ASPA e colaboradores. Este Suplemento inclui extratos de "Entre Aspas" representativos da ação da ASPA, desde que, em 1984, teve acesso a espaço no Diário do Minho.

O "Entre Aspas" publicado esta segunda-feira, no Diário do Minho, refere aspetos mais significativos de três períodos da gestão municipal.















Início da colaboração com o Diário do Minho...
 


 


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

40 ANOS DE ENTRE ASPAS. 40 ANOS DE AÇÃO CIDADÃ. As preocupações de sempre!


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O Suplemento Cultural do Diário do Minho, do dia 28 de fevereiro, será dedicado à comemoração dos 40 ANOS DE ENTRE ASPAS. Os últimos 40, de 47 anos da ASPA, sobretudo dedicados ao município de Braga e abrangendo períodos distintos da gestão do concelho.

1984-1999

Este é um período em que as decisões para o território bracarense foram da responsabilidade do Engº Mesquita Machado, que assumiu a presidência da Câmara Municipal de Braga de 1976 a outubro de 2013. A CODEP, que deu origem à ASPA, surgiu em 1976, na sequência da ação cidadã promovida por um conjunto de bracarenses, tendo em vista o salvamento de Bracara Augusta, num momento em que a pressão imobiliária na colina de Maximinos estava a destruir vestígios da cidade romana. Mesquita Machado foi responsável pela elaboração do PDM publicado em 2001, que ignorou o valor do património cultural, designadamente a existência, nas Sete Fontes, do Sistema de Abastecimento de Água à cidade de Braga, no séc. XVIII, bem como o parecer negativo do Instituto Português de Arqueologia, sobre o projeto de revisão do Plano Diretor Municipal de Braga, que alertava para o património existente no concelho. No documento, de que se conserva um exemplar no Arquivo da Direção Geral do Património Cultural, pode ler-se: “Como exemplos gravosos do impacte da Revisão do PDM... a previsível destruição do conjunto das Sete Fontes, importante e monumental núcleo de abastecimento de água à cidade moderna, conjunto que integra construções (incluindo aquedutos e castelos de água) da época barroca, mas que poderá ter origem na época romana. Na Revisão do PDM esta área classificada como urbanizável, ainda que nunca tenha sido feito qualquer levantamento ou estudo sobre a importância do conjunto. Chama-se a atenção para o facto de este conjunto estar em vias de classificação, o que aliás é assinalado na Carta respectiva, embora sem efeitos na delimitação de uma possível e necessária zona de proteção”.

 

2000-2013

Os primeiros 13 anos do séc. XXI correspondem à última fase de gestão municipal liderada pelo Engº Mesquita Machado. Este período foi marcado por um Plano Diretor Municipal (PDM) definido em total desrespeito pelo Património local, de que é exemplo maior o atravessamento do Complexo das Sete Fontes pela variante à EN 103, por Gualtar, bem como o facto de ter sido definido índice de construção máximo para a envolvente do Monumento.

O Sistema de Abastecimento de Água à cidade de Braga, no séc. XVIII (Complexo das Sete Fontes) só foi classificado como Monumento Nacional, em 2011, 16 anos após o pedido de classificação apresentado pela ASPA (em 1995) e na sequência de um conjunto de iniciativas cidadãs promovidas pelo movimento “Salvemos as Sete Fontes”, que a ASPA integrou desde início. Destacamos a Petição “Pela Salvaguarda das Sete Fontes”, a manifestação popular até às Sete Fontes e a entrega das assinaturas dos peticionários ao Presidente da Assembleia da República.

O Projeto “Regenerar Braga” (2012), apoiado por fundos europeus, substituiu lajes de granito seculares, assentes em solo (permeáveis), por placas industriais assentes em cimento (impermeáveis), alterando drasticamente a imagem urbana de Braga. Foram aprovados projetos que implicam a demolição de arquitetura original de edificado do séc. XIX e de princípio do séc. XX - claraboias, pinturas interiores, painéis interiores de azulejos, madeiramentos ornamentais, etc.-, que conduziram a perdas irreparáveis de património e a descaracterização da imagem urbana de Braga.

 

2013 – 2023

Em outubro de 2013 entrou em funções um novo executivo municipal, liderado pelo Dr. Ricardo Rio, que se comprometeu a salvaguardar e valorizar o Sistema Hidráulico Setecentista (conhecido por Complexo das Sete Fontes), que nessa altura já estava classificado como monumento nacional. Foi abolida a variante à EN 103 por Gualtar, suspenso o PDM na área das Sete Fontes e prometido um Parque Verde na envolvente do monumento. Nos primeiros oito anos de mandato foi dado um grande passo no sentido da preservação e salvaguarda de toda a envolvente do monumento, sempre com envolvimento da sociedade civil, que culminou com a aprovação do plano de urbanização, com alteração do PDM para esta área, e aquisição das primeiras parcelas de terreno para uso público, ao que se associou o estudo paisagístico para efeito de construção do parque verde. É um processo que exige uma ação firme a nível municipal e pressupõe que a construção do Parque Eco Monumental avance, na área de cedência de cada unidade de execução paisagística, de modo a disponibilizar aos bracarenses o tão desejado Parque Verde Eco Monumental.

No segundo mandato, a ASPA, tal como outras pessoas e organizações, participou na discussão pública da alteração ao “Regulamento de Salvaguarda do Centro Histórico”, cuja versão final não chegou a ser aprovada. Também vimos com grande expetativa a concertação entre a Câmara de Braga e a de Guimarães para a concretização do Programa Intermunicipal dos Sacromontes, da qual desconhecemos novos desenvolvimentos.

Se o processo “Setes Fontes” foi exemplar, demonstrando que a defesa do património era lema do novo executivo municipal, essa vontade foi diminuindo nos últimos anos, e assistimos ao adiar de processos e a decisões contrárias à promessa de defesa e valorização do património bracarense.

Temos perdido património arquitetónico e área verde de interior dos quarteirões urbanos, de que é exemplo maior a construção de um hotel de grande volumetria na ZEP do Recolhimentos das Convertidas (monumento de interesse público), e assistimos a situações de demolição de edificado com valor arquitetónico, de que só resta a fachada.

Aguardamos a construção do Parque Eco Monumental das Sete Fontes, a salvaguarda e valorização do Estádio 1º de Maio (monumento de interesse público), a musealização da Domus das Carvalheiras, das ruínas de Santo António das Travessas, do Teatro Romano e do conjunto palatino suévico de Santa Marta das Cortiças (Falperra).


Estamos atentos aos compromissos assumidos perante a UNESCO, no âmbito da classificação do Bom Jesus como Paisagem Cultural.


No Suplemento Cultural iremos relembrar “Entre Aspas” que evidenciam a ação cidadã exercida pela ASPA, nos últimos 40 anos.


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

"ENTRE ASPAS": como tudo começou

40 ANOS DE ENTRE ASPAS

Faz amanhã, 13 de Fevereiro, quarenta anos que foi publicado pela primeira vez o “Entre Aspas” nas páginas deste jornal. Em 1999, mercê do espírito generoso do Senhor Félix Ribeiro, a APPACDM Distrital de Braga editou um livro reunindo 132 textos de entre os 361 publicados naquela coluna, até 1991. O volume foi organizado por Henrique Barreto Nunes e Ademar Ferreira dos Santos, autores do preâmbulo, do qual aqui se publica um excerto que explica como surgiu e se desenvolveu a referida coluna, que mais tarde viria a ocupar uma página inteira do jornal, sempre com ilustrações.

 

A CODEP (Comissão de Defesa e Estudo do Património), que esteve na origem da ASPA, apostou desde o início da sua actividade, em 3 de Fevereiro de 1976, no recurso à Imprensa como a melhor arma para atingir os objectivos a que inicialmente se propusera —o salvamento de Bracara Augusta.

Porém a ASPA, fundada em 30 de Janeiro de 1977, não prosseguiu nos primeiros anos da sua existência a mesma via, apesar dos bons resultados alcançados pela CODEP, tendo optado por recorrer a processos menos mediáticos e a outras estratégias de intervenção.

Foi com a criação do Núcleo de Braga da ASPA, que surgiu em 1979, procurando contrapor-se à preponderância dos elementos do Conselho Directivo que não viviam em Braga, que a Associação passou a revelar uma nova dinâmica e a ter uma intervenção mais regular e consistente a nível local, expressa no recurso sistemático à imprensa escrita.

Assim, a partir de 29 de Maio de 1979, começaram a surgir semanalmente nos dois quotidianos bracarenses («Diário do Minho» e «Correio do Minho») pequenas notas relativas a questões do património cultural local, pretendendo chamar a atenção da população (e das autoridades) para algumas situações que mereciam reparo.

Esse espaço, encimado pelo nome da Associação, manteve-se com alguma regularidade durante cerca de um ano, abordando temas de arqueologia, arquitectura e arte bracarenses, sendo aproveitado por vezes para anunciar iniciativas da ASPA ou recensear publicações.

As notas, algumas com certa carga crítica, eram assinadas com as iniciais dos seus autores, sendo as mais frequentes as de L.C. (Luís Costa), E.P.O. (Eduardo Pires de Oliveira), H.B.N. (Henrique Barreto Nunes) e A.G. (Egídio Amorim Guimarães), devendo ainda referir-se alguns desenhos de Luís Mateus.

Realizado o 2º Encontro Nacional das Associações de Defesa do Património Cultural em Braga, em 1981, organizado pela ASPA, a Associação ganhou uma maior dimensão, acentuando-se o seu prestígio e credibilidade.

Necessárias mudanças a nível dos órgãos directivos, concretizadas em Junho de 1981, estiveram na origem de uma nova dinâmica e de uma diferente estratégia de intervenção, de que o recurso à Imprensa local e nacional, através da elaboração e difusão de comunicados, foi o processo mais conseguido e de resultados mais frutuosos.

Surgiu então de novo a ideia de se conquistar um espaço nos jornais bracarenses. Contactados os seus directores, não foi encontrada qualquer receptividade por parte do «Correio do Minho», enquanto o Padre Silva Araújo nos abriu generosamente as páginas do «Diário do Minho», sem quaisquer restrições, recordando apenas que aquele era um jornal católico, propriedade da diocese bracarense.

Foi assim criada a secção «Entre Aspas» que, a partir de 13 de Fevereiro de 1984, começou a surgir semanalmente às segundas-feiras, na página 2 do «Diário do Minho». O grafismo da coluna ficou a dever-se a Francisco Botelho, tendo partido de H.B. Nunes a sugestão para o título.

O primeiro «Entre Aspas», intitulado DE REGRESSO explica os objectivos que se pretendiam atingir com a criação da secção:

Depois de alguns anos de ausência (note-se: em termos de colaboração regular), a ASPA volta às páginas do «Diário do Minho», para dialogar semanalmente com os seus leitores sobre questões que têm a ver com a defesa e valorização do património cultural que é de todos e a todos, por isso, incumbe salvaguardar. A partir de hoje, portanto, todas as segundas-feiras, esta coluna será um veículo das ideias, dos princípios e dos valores que, há mais de sete anos, constituem o fundamento da existência e da intervenção social da ASPA.

É nosso propósito — e desde já chamamos a atenção para ele — abrir na medida do possível este espaço à opinião, às dúvidas e às informações dos leitores do «Diário do Minho», sejam eles membros ou não da Associação, por forma a que o diálogo que pretendemos seja mesmo efectivo e não apenas pressuposto.

Para tal, é necessário que os leitores nos escrevam, nos interpelem directamente, nos desafiem. Simultaneamente, isso constituirá um estímulo para o nosso trabalho e uma prova de que não temos andado estes anos todos, pura e simplesmente, a «pregar para os peixinhos».

Para lá das perguntas, das dúvidas, das críticas, dos reparos, até mesmo (por que não?) das censuras — que sempre serão bem-vindas — a colaboração dos leitores poderá revestir-se, no plano informativo, de uma importância extraordinária.

Por sua vez, numa nota publicada na «Folha Informativa» da ASPA (n.º 16, Maio 1984), dá-se conta do nascimento do «Entre Aspas» e apelou-se de novo à colaboração dos associados.

Dezembro de 1997

Henrique Barreto Nunes e Ademar Ferreira dos Santos

IDEIAS, PRINCÍPIOS E VALORES

Os Entre Aspas passaram a ser publicados quinzenalmente, ocupando uma página do jornal, a partir do início da década de 90 do século passado, sendo desde então assinados pelos autores. Em 2024, a coluna Entre Aspas continua a ser um veículo das ideias, dos princípios e dos valores que constituem o fundamento da existência e da intervenção social da ASPA (Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural). É um espaço de divulgação do património – cultural e natural -, de incentivo à reflexão centrada em problemáticas culturais e ambientais de âmbito local, de valorização da educação patrimonial para empoderamento do cidadão e de alerta público relativamente a opções que colocam património em risco ou que se devem à inércia das entidades responsáveis pela defesa de património. Reflete a intervenção da ASPA no presente.

Continuamos a apelar à participação dos associados e a incentivar a ação cidadã em defesa do património cultural e natural.

Está disponível para colaborar? Então junte-se à ASPA!

 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

ANIVERSÁRIO DA ASPA.

 A ASPA faz hoje, 29 de janeiro, 47 anos.

Resultou da CODEP (Comissão de Defesa e Estudo do Património), criada em 1976 para defesa dos vestígios de Bracara Augusta. 

Como principais ações destaca-se a defesa da cidade romana de Bracara Augusta, a luta pela reintegração do Mosteiro de Tibães no património nacional, a classificação do complexo das Sete Fontes e a ação com vista à defesa  do Recolhimento das Convertidas.

Partilhamos um texto, de 2014, que relembra a ação da ASPA.


ENTRE ASPAS: "ARTE URBANA EM BRAGA. Mural de Mantraste, 2022"

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"A cidade de Braga, tal como muitas outras na Europa, está a investir bastante em arte urbana para embelezar os seus espaços públicos. Esta explosão de arte é obra de artistas locais, nacionais e até internacionais que usam as paredes de Braga como tela para as suas expressões criativas. A forte aposta na arte urbana, como meio de embelezar e revitalizar as fachadas da cidade, reflete não apenas uma busca estética, mas também uma profunda afirmação da identidade cultural e criativa da cidade. Com estes esforços, as ruas de Braga tornaram-se num autêntico museu ao ar livre, repleto de murais que contam histórias de diversas formas, criando uma mistura única de tradição e inovação."

Assim começa o texto de Ana "Muska", um contributo para a compreensão de murais que encontramos em ruas e escolas de  Braga.  Os projetos foram realizados no âmbito do Festival Fenda, em 2021, 2022 e 2023.

Agradecemos o contributo da Ana "Muska", co-fundadora da Circus Network, Agência Criativa e Galeria de Arte responsável pela coordenação do Festival Fenda. Neste entre aspas a autora centrou-se no mural de Mantraste (nome artístico de Bruno Reis Santos).

Como interpreta este mural? Procure a intenção do autor, no texto de Ana "Muska"

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

ENTRE ASPAS: "2024, Ano de Mudanças"

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O ano que acaba de se iniciar surge fértil de promessas de mudança. Às mudanças das políticas de defesa, proteção, divulgação e usufruto do património cultural, decorrentes de alterações legislativas que inauguraram um novo modelo institucional precisamente no primeiro dia do ano, associam-se as mudanças que advêm do novo ciclo político que o país está a viver e, finalmente, juntam-se as mudanças que - mais do que anunciadas, são profundamente desejadas – no que respeita ao património de Braga.

             

Mudança nas políticas de proteção do Património

A substituição, a partir deste ano, dos organismos tutelares do património que vigoraram até ao fim do ano transato (Direção Geral do Património Cultural e Direções Regionais da Cultura) pela nova Empresa Museus e Monumentos, de Portugal, E.P.E. e pelo Património Cultural, I.P. (Instituto Público), introduz um novo modelo de gesto e direção das políticas do património cultural em Portugal. Inicialmente recebidas com ceticismo, devido à ausência de avaliação das políticas em vigor – aspeto crítico transversal a (quase) todas as políticas públicas –, à não auscultação direta dos intervenientes (profissionais, associações e investigadores do património) no desenho do modelo e às indefinições de algumas atribuições e competências, estas mudanças têm vindo a merecer na opinião pública qualificada uma espécie de otimismo prudente e crítico. Dificilmente as políticas do património caminharão para pior, visto o descaso, o subfinanciamento, o abandono e até o desvirtuamento de funções de muito dos nossos monumentos, museus e sítios patrimoniais.  

Com sede em Lisboa, a Museus e Monumentos de Portugal, E.P.E. irá abranger “os museus com coleções nacionais e de referência internacional, assim como os palácios e os monumentos nacionais e património da humanidade”. Inclui, depois de alguma polémica, de uma petição pública e da ação da ASPA, também o Museu Regional D. Diogo de Sousa e o Museu dos Biscainhos.  

O instituto do Património Cultural, IP, sediado no Porto, possui atribuições relacionadas com a salvaguarda e conservação dos bens patrimoniais, classificados ou em vias de classificação. Estas incluem a elaboração de planos e projetos para a execução de intervenções, apoio técnico e fiscalização, bem como a investigação no âmbito do património cultural, a ser realizada em estreita colaboração com outras entidades, nomeadamente as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Este último aspeto ganha maior relevância. As CCDR terão obrigatoriamente de emitir parecer sobre edificações ou planos urbanísticos em zonas de proteção do património, bem como em obras que tenham lugar nestes ou junto destes. Por outro lado, dado que gerem os fundos comunitários a nível regional, com a nova atribuição de competências poderá haver um maior interesse no investimento no património edificado, orientando recursos para uma política de salvaguarda que na verdade o Ministério da Cultura nunca foi capaz de garantir.

 A qualidade das equipas constituídas e o élan de esperança da mudança carecem de ser acompanhados por uma participação cívica atenta e empenhada. Espera-se que deixem de ter lugar as omissões e desvirtuamentos das instituições da tutela que nos últimos anos permitiram que, em Braga, fossem autorizados desmandos como a da volumetria do hotel que esmaga visualmente o Recolhimento das Convertidas, ou a destruição do interior de edifícios em zonas de interesse patrimonial, incluindo zonas especiais de proteção.  

Mudanças políticas gerais

 As eleições de 10 de março constituem um fator de mudança política, quanto mais não seja pelo horizonte de incerteza a que estão associadas. A análise dos programas políticos partidários poderá quiçá permitir vislumbrar qual o sentido que é atribuído à cultura, quais as prioridades orçamentais e quais as intenções de mobilização da participação cidadã em torno do património cultural e ambiental. Os desafios dos nossos dias, com as alterações climáticas, a emergência de novas formas de dominação através do controlo dos dados digitais, o crescimento de práticas e valores anti-humanistas, racistas, belicistas e xenófobos, criam em torno das decisões políticas exigências acrescidas. É nesse quadro também que faz sentido o envolvimento ativo das associações que atuam no campo da cidadania, como é o caso da ASPA, no sentido do reforço do espaço democrático e no quadro da autonomia da sua ação.


Mudanças desejadas na política de património de Braga

O Ano de 2024 deverá ser – o verbo aqui empregue é mais da ordem do desejo do que da previsão… - o do cumprimento do que se encontra por fazer no que respeita ao património cultural, arquitetónico, arqueológico e paisagístico bracarense.  Que 2024 seja o ano de início da edificação do Parque EcoMonumental das Sete Fontes; de concretização do projeto de recuperação da Insula das Carvalheiras; de recuperação do parque habitacional, nomeadamente nas ruas do centro histórico, sem demolição dos elementos arquitetónicos do interior e sem aumentos de cércea, como tem acontecido recentemente, ao ponto de os edifícios oitocentistas e os de transição do século XIX para XX, que marcaram a fisionomia da cidade, terem perdido muitas das suas caraterísticas; de início das obras do São Geraldo e da sua disponibilização para a Cultura; de recuperação e reabertura do Museu da Imagem e da Casa dos Crivos; de recuperação da Fábrica da Confiança e da concretização das suas multivalências como residência universitária, memória museológica industrial e espaço de cultura; de concretização do projeto dos Sacromontes; de adoção de uma política efetiva de proteção do Arvoredo; de assunção de práticas efetivas de proteção ambiental e de desenvolvimento sustentável.  E tanto ficará ainda por fazer…

 

Todo o mundo é composto de mudança. 
Em 2024 o que acontecerá é que, como sempre,Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.” Importa que todos, cidadãos e decisores políticos nacionais e locais, não esqueçam os valores que nos formam para que seja no bom sentido que se “[mude] o ser e [mude] a confiança.”

 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

ENTRE ASPAS "MUDAM-SE OS TEMPOS, MAS NÃO SE MUDAM AS VONTADES"

O Senhor José Moreira, homenageado pela Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva no dia 13 de dezembro, foi um cidadão bracarense empenhado, até ao último sopro de vida, em agir de acordo com os seus profundos valores e as suas firmes e amadurecidas convicções. Foi associado da ASPA e dirigente activo, que deu a todos quantos puderam privar de perto com ele lições de tenacidade, de esperança, de indignação e de insubmissão aos actos mesquinhos e indignos dos Abusadores do Poder.

Entre várias batalhas em que participou destaca-se a ação pela salvaguarda das Sete Fontes – Sistema de Abastecimento de Água à Cidade de Braga, no séc. XVIII – no âmbito da luta iniciada pela ASPA em 1995, com o pedido de classificação. Um monumento a que o executivo municipal de então não reconheceu valor e que só em 2011, passados 16 anos, foi classificado pelo Estado Português como Monumento Nacional. José Moreira faleceu em 2003, ano em que foi publicado o Despacho de homologação do Complexo das Sete Fontes como Monumento Nacional.  

Assim, o seu nome ficará, para sempre, associado ao Complexo das Sete Fontes e aos combates da ASPA.

Nas vésperas da morte, pôde ainda o Sr. Moreira, muito ao seu jeito de lutador generoso e determinado, deixar pronto para publicação o texto do Entre Aspas, que saiu a 19 de maio de 2003, e que hoje republicamos.

Passaram 20 anos e, infelizmente, continuamos a ver, em Braga, práticas idênticas às que o Senhor José Moreira denuncia neste texto.

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A imagem relembra o estado em que se encontravam as minas do Sistema Hidráulico Setecentista (conhecido por Complexo das Sete Fontes), no ano em que o Sr José Moreira escreveu este texto.

ALGUNS EDIFÍCIOS PRESTANTES JÁ FORAM "EXECUTADOS", OUTROS AGUARDAM NO CORREDOR DA MORTE. 

José Moreira


A demolição continua! É esta uma das verificações mais salientes que se pode fazer ao estado da coisa pública em Braga. Demoliram-se casas que davam à nossa terra uma ideia de um determinado modo de conceber o que era a habitação e o sentido de família que lhe está subjacente! Aonde havia uma concepção de espaço e de liberdade, construíram-se mastodônticos imóveis com capacidade para centenas de famílias, verdadeiros formigueiros humanos, que vieram, além do mais, pôr em cheque o estacionamento e a circulação, empurrando para a massificação o que antes eram zonas de tranquila vida urbana e social.

Foram, mais remotamente, a casa de "brasileiro", que se erguia no topo da Rua Bernardo Sequeira (de nada valeu ao prestante cidadão doar os terrenos para permitir uma passagem decente de São Vítor até Santa Tecla...). Depois foi o Palácio Velozo, na Senhora-a-Branca, recentemente a casa da Rua Nova de Santa Cruz que acolhia uma ordem religiosa. Começou agora a demolir-se a casa setecentista da Orge, em Maximinos, objecto de um pedido de classificação da ASPA e do Olho Vivo, e o Castelo de Guadalupe que, se a burocracia não fosse por sua natureza lenta e, portanto, inconsequente, um processo de classificação requerido pela ASPA em 18.11.1999 - passaram já 2 anos e meio! - teria evitado mais este atentado patrimonial.

Já neste jornal o presidente do Conselho Directivo da ASPA disse o que são os comportamentos municipais nesta e noutras matérias, com clareza meridiana, para habilitar os cidadãos a saber o que podem esperar desta vereação que, apesar do incrível urbanismo reinante, continua a ser votada por confortável maioria.

Tantas são as ruínas que ensombraram a nossa terra, que o Município bem podia ter a iniciativa de reproduzir e expor em museu adrede preparado, o vastíssimo acervo fotográfico documental que é constituído pelas cegas demolições feitas, num delírio iconoclasta, sepultando nelas imensas e valiosas peças de arte: concepções arquitectónicas, decorações de profundo sentido estético, sejam gessos e pinturas murais. E com isso preparar a documentação pertinente para se poder candidatar a cidade europeia da cultura. Mas, nessas manifestações culturais não está ela interessada, porque isso seria a certidão de óbito da sua política urbanística.

Uma noite, aqui há anos, ia eu ao salão medieval da Universidade do Minho assistir à apresentação de um qualquer livro e eis-me envolvido pela escuridão da sala e, no écran, projectava-se um filme exactamente sobre urbanismo, tendo por mira as aberrações produzidas por iluminados de lá nas cidades de Nova Iorque, São Francisco e outras. Verdadeiros atentados aos espaços, às volumetrias e às cérceas, que criaram artérias onde o Sol, esse chamado astro-rei, não penetrava; toda a amplidão geográfica abruptamente desfigurada por enormes blocos de construção, era o horizonte a que podiam aspirar os seus habitantes. Tudo desumanizado, como se fosse feito não para homens de carne e osso, mas para seres extraterrestres, liofilizados e mumificados.

O filme era um intenso libelo sobre esses erros irreversíveis que haviam cometido em nome do "progresso" e redundaram num indisfarçável retrocesso.
A parte mais importante não consistia, porém, nessa crítica que a imagem exaltava, mas nos esforços feitos pelas autoridades e os arquitectos no sentido de procurar obviar aos abortos praticados por artistas com diploma e autoridades com legitimidade democrática. Eram quase comoventes os denodados esforços feitos para amenizar uma agressão mais clara à paisagem, um esforço de humanizar o que fora criado sem se entender quem é o homem e que necessidades intrínsecas possui.

Desde então compreendi o que são as obras de arte criadas por arquitectos com nome feito no marketing imobiliário! E desconfio, como é de admitir, dessas sumidades bem pagas pelo nosso dinheiro. As autoridades buscam o espectáculo das realizações e são, quando muito, os inocentes úteis desse marketing devorador.

Contada esta visão do que foi o horror de construção progressista, numa sociedade dita livre, e o sublime esforço de a procurar amenizar - esforço inglório, apesar de louvável! - remendando-a com as líricas contribuições de arquitectos amantes da poesia, fica-me a sensação de em Braga se estar a passar o que de estruturalmente se estava a passar na terra do Tio Sam. O que falta aqui é um poeta que distribua humanidade por toda essa desolação construída...

E já que abordamos coisas do urbanismo americano, vamos também socorrer-nos de uma imagem tipicamente ianque para procurar enquadrar o "ódio vesgo" que esta vereação parece ter ao que tem marcas seculares.

Em fria execução, está já a decorrer esquartejamento de uns tantos imóveis, de "brasileiro" ou não, por essa cidade além. Para lá das citadas acima, foram também demolidas tantas outras (lembram-se de uma, ali, adjacente à estação dos caminhos de ferro, a quem numeraram as pedras para dar um sinal visível de que não eram contra o imóvel, mas apenas contra o local onde estava implantado? Alguém viu mais essas pedras servirem para uma reedificação? E espera ver? Mas então para quê a comédia dos números naquelas pedras que não eram angulares!). Estes são os imóveis já executados friamente por mérito de sentenças abalizadas por maiorias confortáveis. Isto parece-me e um contra-senso, mas assim a chamada vida democrática e quem for contra o sistema fica triturado por ele!

Uma regra do mercado diz-me que, primeiro arranja o dinheiro, e depois arranjarás tudo o mais. Pois é com dinheiro que se compram os melões!

Fácil é entender, a quem seguir as pistas desta regra e suas diversificações, que quem tem dinheiro compra os imóveis e, por extensão, compra depois o que for necessário para a sua rentabilização.

Foi assim com a casa do Afonso na Rua do Carvalhal. Casa construída por um cidadão empreendedor nos primeiros anos do século XX, que foi também um chefe de família com amplo sentido do que valia aquela célula primeira da sociedade civilizada. Homem de origem humilde, nasceu em 22 de Maio de 1864, na freguesia da Venda Nova, concelho de Montalegre, distrito de Vila Real. Depois de ter corrido mundo, conseguindo uma especialização profissional, veio para Braga onde, com apenas 23 anos, fundou na Rua dos Capelistas, uma mercearia fina que muitos de nós, felizmente, conhecemos, depois exportou vinhos verdes para o Brasil, foi empreiteiro de obras públicas e municipais, representou bancos, casas bancárias e companhias de seguros. Com outros, fundou o Teatro Circo de Braga, a fábrica de calçado Atlas, na rua dos Biscainhos, a Empresa Comercial do Minho, foi sócio da firma "Afonso & Almeida", que tomou a seu cargo a direcção da fábrica Confiança, hoje também ameaçada.

Foi este homem, que a Braga tanto deu, que mandou construir em pedra branca, arrancada de uma pedreira que ele próprio seleccionou, na Rua do Carvalhal, a casa que desde então ficou conhecida por casa do Afonso. É este imóvel que, parece, está no corredor da morte, à espera da sua execução próxima. Que projectos há para o belo imóvel, projectado pelo arquitecto Ernesto Korrodi (garante-me quem sabe que foi assim, apesar daquela casa não constar dos imóveis por si projectados em Braga!). Casa de grande porte e dependências múltiplas, bem decoradas com pinturas na sala de jantar, que me asseguram de boa qualidade, pois nunca as vi pessoalmente. Com um grande logradoiro público que, ao abrir-se a via que leva do Largo de S. Francisco para o Campo da Vinha, o tomou apetecível aos investidores de agora.

Este projecto, como todos, só é do conhecimento de meia dúzia de pessoas, na Câmara e fora dela. Esta é uma prática condenável, porque exprime uma democracia de funil, que nos repugna. Quando das decisões que envolvam imóveis de considerável interesse público, devia ser obrigatório haver um debate generalizado, que contivesse a opinião expressa de associações e cidadãos, para que fossem tão amplos quanto possível os fundamentos de uma decisão que a todos interessa e não só aos envolvidos na solução achada, por serem suspeitos de falta de isenção. Esta seria uma forma de evitar política do facto consumado, tão em vigor entre nós e com tão indesejáveis consequências para a cidade de Braga e o seu equilibra do património construído.